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A sucessão de um hotel administrado pela mesma família há 46 gerações

Houshi Ryokan é uma pousada tradicional japonesa localizada na cidade de Komatsu que detém a distinção de ser o mais antigo negócio familiar em funcionamento - há 1,3 mil anos

Casamentos arranjados, nenhuma liberdade de escolha profissional e uma forte devoção à família foram os mecanismos que, de certa forma, deram ao Houshi Ryokan - um hotel japonês - o título de negócio familiar mais antigo em funcionamento no mundo.

Há 1,3 mil anos de portas abertas, essa tradicional pousada japonesa, construída em uma fonte termal na cidade de Komatsu, que tem menos de 150 mil habitantes, vem sendo operada pela mesma família há 46 gerações consecutivas. Mas agora vive um período de incertezas pela possível falta de um sucessor.

Atualmente, na 46ª geração Zengoro - sobrenome do primeiro proprietário -, o Houshi Ryokan tem Hajime Hoshi como presidente, que compartilha a gestão com sua esposa Chizuko. Em um documentário produzido por Fritz Schumann, em 2015, o patriarca Zengoro já lidava com essa questão que segue até hoje.

Ocorre que a tradição do filho homem mais velho da casa assumir o negócio funcionou bem até que Hajime e Chizuko perderam o herdeiro, de forma totalmente inesperada, que vinha sendo preparado para a sucessão.

Desse modo, coube transmitir a Hisae Houshi, sua filha, a responsabilidade de encaminhar o futuro do local. Mas, embora venha sendo conduzida para a tarefa, Hisae relata que seus planos eram outros - e bem distantes das responsabilidades do hotel da família.

GOVERNANÇA EM FAMÍLIA

O caso Ryokan foi o pano de fundo usado por Nelson Cury, especialista em sucessão, durante sua apresentação na Retail Conference, promovida recentemente pela Associação Comercial e Industrial de Campinas (ACIC).

Tomando como exemplo a indecisão de Hisae, Cury aponta que é possível que o maior desafio a ser enfrentado por uma empresa familiar durante o processo de transição para a próxima geração seja o modo como pensa e age sua atual liderança.

A ideia de um patriarca concentrado apenas em atingir seus objetivos de poder, status, prestígio e superioridade, muitas vezes acaba por desnutrir um relacionamento interpessoal maduro e sadio com as futuras gerações - algo indispensável à continuidade do legado familiar.

"No fim, alguns desses fatores, ou a soma de todos eles, podem, além de gerar conflitos que, por vezes, tornam-se irreversíveis, destruir a empresa e até desmantelar a família", diz.

Nas palavras do especialista, a dificuldade em dividir poder e delegar funções acaba por desestruturar um plano sucessório. Muitas vezes avessos à capacitação e educação de seus herdeiros, alguns líderes tendem a se comunicar de forma autoritária e impedem que suas experiências e percepções sobre o negócio sejam repassadas de forma construtiva.

No final, passam a mensagem de acreditar que não exista alguém capaz de sucedê-los, e assim muitos progenitores perdem o interesse e muitas famílias não conseguem perpetuar seu patrimônio.

Recuperando a história do hotel Ryokan - Em seu depoimento, Hisae demonstra certo descontentamento com a sucessão. "Há momentos em que preferia não ter nascido membro da família Houshi Ryokan. Queria poder dizer ao meu irmão que ele é a 47ª geração Zengoro", diz a herdeira em uma de suas falas.

Diferente de sua mãe, Hisae teria a oportunidade de escolher com quem se casaria ou se ficaria solteira. Com a morte do irmão e o peso de uma sucessão nas costas, o casamento se torna uma obrigação e o parceiro, agora, precisará atender aos requisitos de um sucessor do Ryokan - e não mais aos seus anseios pessoais.

Ela também conta que antes de assumir alguma função no negócio se formou e trabalhou na área da saúde - sua real área profissional de interesse. Ao definir a filha como obediente, responsável e ativa, Chizuko admite ter sonhado com outro futuro para a filha - "cheio de liberdade".

O filme de doze minutos termina com a imagem dos três juntos, filha, mãe e pai, na frente do hotel. Como autêntico patriarca, a última palavra do filme é dele: "Às vezes, temos que sacrificar nossa família. E nós estaremos esperando por ela (Hisae)".

Sobre o Houshi Ryokan - Inaugurado no ano de 718, em uma época em que o império romano ainda dominava a cultura mundial, o hotel passou por algumas reformas ao longo do tempo.

Entretanto, os detalhes da arquitetura original estão todos lá, preservados para o visitante, que desembolsa em média US$ 1 mil por uma diária com direito a duas refeições - café da manhã e jantar.

O hotel hoje em dia tem cem suítes, duas piscinas termais mistas e duas outras - uma apenas para homens e outra para mulheres. Os hóspedes também recebem um quimono especial para entrarem no clima milenar durante a estadia em meio a jardins tradicionais e uma bela paisagem ao redor.

UM RECORTE BRASILEIRO

Menos de 40% das empresas criadas no Brasil conseguem sobreviver após cinco anos de atividades, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na verdade, muitos estudos indicam que sobreviver aos dois primeiros anos de vida já é uma conquista. E se tais negócios forem tocados por familiares, a estatística é ainda mais desanimadora.

Ainda assim, as empresas familiares representam 80% das 19 milhões de companhias brasileiras, de acordo com um levantamento da PwC. No mundo, as 500 maiores empresas de propriedade familiar somam juntas uma receita de US$ 7,2 trilhões e empregam 24,1 milhões de pessoas, de acordo com a EY e a Universidade de St. Gallen.

No topo da lista, nomes como a americana Walmart e a JBS (classificada na 22ª posição), mostram que após dois anos de pandemia, muitas dessas organizações conseguiram pivotar os seus negócios, se adaptando e inovando para servir o consumidor, especialmente, no setor de bens de consumo tradicional.

Embora não possam ser consideradas jovens – o Walmart foi fundado no início da década de 1960 – essas empresas passaram por poucas gerações. JBS e Magalu, por exemplo, estão na segunda geração.