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Como proteger seu fluxo de caixa durante a crise

A crise da Covid-19 está pressionando de forma muito significativa o caixa de muitas empresas.

Além do fato de muitas empresas terem diminuído drasticamente as suas receitas, um complicador muito grande dessa situação é não saber por quanto tempo haverá restrições de circulação das pessoas.

É sobre esse tema e esse cenário que Mauro Medeiros, CFO do grupo Múltipla, falou em uma live realizada no dia 26 de maio. “Logo que a crise se instalou, nós tomamos algumas medidas, suspendendo o contrato dos funcionários, dando férias adquiridas e antecipando férias futuras. Essas primeiras medidas vislumbravam um período de isolamento de 2 ou 3 meses, mas parece claro para todo mundo hoje que os impactos não serão apenas nesse tempo. E quando acabarem, quanto tempo a população voltará com seus hábitos anteriores?” indagou ele no início da conversa.

E essa crise tem uma particularidade, atingiu diferentes setores de formas distintas. Há empresas de áreas específicas que estão a todo vapor com dificuldade de atender toda a demanda existente.

Já outras, em um primeiro momento tiveram um pico significativo de demanda, mas agora estão começando a sentir as reduções generalizadas da economia.

Há ainda os casos mais complicados, que tiveram seu faturamento reduzido drasticamente em comparação ao período anterior à crise.

A realidade também não se manifesta da mesma maneira em todos os locais. Em grandes cidades como Rio e São Paulo, o impacto parece atualmente ser maior do que no interior. Já ouvimos por outro lado que é provável uma segunda onda da doença a partir de uma “interiorização” do vírus. Ou seja, a indefinição de como e quando isso vai acabar, só aumenta!

Por isso, cada caso é um caso. E é fundamental acompanhar e analisar a situação dia a dia. Um dia de cada vez. Em geral, não adianta fazer planos de longo prazo neste momento.

E é preciso fazer caixa para passar o período de tormenta. Muitas empresas com bom produto ou serviço morrem por falta de caixa. O caixa é o oxigênio das empresas. Sem ele, o negócio sufoca.

E para não acabar esse oxigênio, Mauro Medeiros acredita que as empresas devem observar e tomar quatro medidas:

  1. Buscar fontes de financiamento viáveis
  2. Reduzir os custos e as despesas
  3. Controlar o endividamento
  4. Se proteger melhor dos riscos

  1. Fontes de financiamento

Sabemos que no Brasil, historicamente, os pequenos e médios empresários têm grande dificuldade de financiar as suas operações. Empréstimos com garantia simplificada (conta garantida ou capital de giro) cobram de 3% a 4% ao mês. Se você tiver que tomar um montante, por exemplo, correspondente a 2 meses de faturamento começamos a entregar na mão do banqueiro de 6% a 8% do faturamento todos os meses. Pouquíssimas empresas operam com uma lucratividade que suporte isso.

Em geral, as melhores taxas de empréstimo de bancos são praticadas em modalidades como antecipação de recebíveis e empréstimos com garantia firmes, como imóveis. Essas modalidades de financiamento devem ser consideradas, mas em geral oferecem taxas acima de 1% ao mês.

“Existem dois tipos de endividamento: a dívida boa e a dívida ruim. A dívida boa é aquela tomada para crescer. Para investir ou para cobrir gastos que permitam vender mais. Infelizmente, por conta de todas as incertezas dessa pandemia não estamos falando aqui de endividamento bom”, ressalta Mauro Medeiros.

Felizmente, o governo federal agiu rápido e abriu algumas fontes de recursos para as pequenas empresas, visando preservar as empresas e os empregos. As principais medidas foram:

  • Diferimento do simples e do FGTS: neste caso, os vencimentos das guias de pagamento desses tributos referentes a março, abril e maio foram adiados em 90 dias.
  • Empréstimo para pagamento da folha: o BNDES e os bancos privados disponibilizaram uma linha para pagamento de folha com juros de 3,75% ao ano. Essa linha pode ser usada por dois meses e será paga no prazo de 30 meses, com carência de 6 meses para o pagamento da primeira parcela. O foco dessa linha é nos funcionários que ganham menos e por isso, o valor é limitado ao pagamento líquido de R$ 2.090,00 (dois salários mínimos) por funcionário. As empresas que podem usar essa linha têm que faturar entre R$ 360 mil e R$ 1 milhão ao ano.
  • Linha de crédito especial (PRONAMPE): no final de abril, o congresso aprovou, e o presidente sancionou, uma linha de crédito para empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões. Ao contrário do empréstimo para folha, não há restrição quanto ao uso dos recursos. A taxa dessa linha de financiamento é Selic (atualmente em 3%) + 1,25%, ou seja, com a Selic de hoje, são 4,25% ao ano. O valor a ser emprestado pode chegar até a 30% do faturamento anual da empresa em 2019.

No caso dessas duas linhas de crédito, as empresas devem se comprometer a não demitir os funcionários. A regra relativa a isso não está muito clara, mas a empresa pode ser obrigada a devolver de imediato os recursos tomados caso realize reduções no seu quadro de funcionários.

Os bancos estão ainda trabalhando para operacionalizar essa linha do PRONAMPE. Ela ainda não está disponível para os clientes.

A linha para financiamento da folha foi muito pouco utilizada pelas empresas. Dos R$ 40 bilhões que o BNDES liberou para essa modalidade, só foram utilizados agora aproximadamente R$ 1,5 bilhão, o que não dá nem 5%.

Algumas razões foram especuladas sobre isso. Talvez a necessidade de apresentação de certidão negativa de débitos ou a obrigatoriedade imposta pelos bancos de realizar o pagamento através de contas salário, ou ainda o receio dos empresários quanto a não poder realizar demissões.

“Vamos aguardar os termos nos quais os bancos vão disponibilizar a linha do PRONAMPE para sabermos se as empresas vão aderir a esse financiamento ou não”, ressalta Mauro.

Além dessas medidas de financiamento direto, com diferimento de impostos e empréstimos subsidiados, houve também, por parte do governo federal, a edição de medidas provisórias relativas à flexibilização de algumas regras trabalhistas, com algumas medidas importantes que dão mais fôlego para as empresas:

  • O governo disponibilizou a possibilidade de as empresas suspenderem os contratos de trabalho por até 2 meses. A suspensão dos contratos pode ser parcial ou integral. Os funcionários com o contrato suspenso recebem um auxílio emergencial com a regra de cálculo semelhante à do seguro desemprego.
  • Outra regra flexibilizada foi que as empresas passaram a poder adiar o pagamento do abono de férias, o tal 1/3. Esses valores devem ser quitados até dezembro deste ano. É possível também fazer a comunicação de férias em 48 horas (ao invés dos 30 dias que valiam antes) e até mesmo antecipar férias futuras (cujos períodos aquisitivos ainda não foram completados).
  1. Redução de custos e despesas

As possibilidades de redução de custos e despesas são infinitas e variam muito de empresa para empresa. Vamos tocar em algumas delas aqui.

Mão de obra: a flexibilização das regras trabalhistas alivia um pouco o caixa das empresas, principalmente no item da suspensão dos contratos de trabalho. A antecipação de férias pode não ter um efeito imediato no caixa, mas no longo prazo pode evitar a necessidade de contratação de novos funcionários.

“A negociação com os funcionários e a participação deles no sacrifício que estamos passando é fundamental nessa hora. Bonificações e participações de lucro podem ser adiadas e/ou parceladas”, destaca Medeiros. “No caso das empresas que estejam trabalham em modo home office é importante que o funcionário se esforce para criar um ambiente que seja produtivo com espaço adequado e equipamentos e conectividade adequadas. Obvio que a empresa deve ajudar nessas questões, caso o funcionário não tenha esses recursos em casa, mas deve haver proatividade do colaborador para que as tarefas sejam realizadas eficientemente em casa”, completa ele.

No caso da gestão dos custos de pessoal, o mais importante é não deixar a equipe parada ou subutilizada, gerando custos para a empresa. Quando não for possível a suspensão do contrato de trabalho ou antecipação de férias, as demissões devem ser consideradas. Sabemos que é um momento complicado para os trabalhadores e suas famílias, caso venha a perder o emprego no meio de uma crise, mas, em último caso, o empresário tem que lançar mão desse recurso.

Muitos empresários optam por não demitir por falta de recursos para quitar as indenizações necessárias. Isso é um erro, pois acabará acumulando mais dívidas. É importante ressaltar que é possível negociar o pagamento parcelado dessas indenizações na justiça do trabalho. Há uma multa de 1 salário do funcionário no caso da não quitação imediata das verbas indenizatórias, mas essa multa pode ser parcelada e negociada com o funcionário.

Renegociação de contratos: os locadores, principalmente de imóveis comerciais, estão se mostrando bastante sensíveis a pedidos de negociação de contrato. As reduções têm sido de 30%, 50% e até 80% do valor do aluguel. A inadimplência nesses contratos em geral não é boa ideia, já que em geral, as multas por atraso são pesadas.

Caso não haja negociação, a alternativa acaba sendo a entrada na Justiça para rediscussão do contrato, previsto em caso de calamidade pública. Recentemente, a MSA Advogados conseguiu na Justiça a redução de 50% do valor do aluguel para um de seus clientes. A juíza ponderou que a crise não é culpa nem do inquilino nem do proprietário, e que não é justo que somente uma das partes (no caso o inquilino) se responsabilize pelo ônus.

É importante também sempre que possível manter em dia os pagamentos relativos às despesas de condomínio. Por outro lado, é importante cobrar da administração dos condomínios que reduzam os seus custos também, usando as mesmas medidas que as empresas estão tomando.

Prestadores de serviço em geral também tem negociado os seus honorários, já que várias desses serviços perdem o serviço durante o período de isolamento, por exemplo, limpeza, em alguns casos telefonia e internet.

Replanejamento de compras: para empresas industriais e comerciais que ainda estão operando, é preciso ter uma atenção maior ao estoque e às compras. Além de negociar melhores prazos com os fornecedores, sempre que possível você deve dar preferência para produtos com ciclo de estoque menores, para os quais a imobilização de capital seja menor.

Não estamos aqui falando aqui de zerar estoque e deixar de faltar os produtos para os clientes, mas dar foco nas vendas daqueles que demandam menos capital imobilizado.

  1. Controle do endividamento

“É fato que as empresas sairão mais endividadas depois dessa crise. Várias das ações que sugerimos aos nossos clientes acabam gerando um maior endividamento. Então é fundamental que a empresa tenha total controle desse endividamento”, afirma Mauro Medeiros.

Ter controle do endividamento significa provisionar os valores não pagos agora (Simples Nacional e FGTS diferido, abono de férias) e até mesmo valores negociados com fornecedores. Esse controle e o correto registro de provisões é recomendado não só em épocas de crise, mas sempre. Por exemplo, 13º salário não é uma despesa anual, mas sim uma dívida que vai sendo acumulada com os funcionários mensalmente.

“Não quero entrar em termos contábeis para explicar, mas é importante calcular ao longo do tempo (antes, durante e depois da crise) o saldo do caixa disponível e as dívidas e provisões. É importante também fazer esse cálculo considerando diferentes horizontes de quitação dessas obrigações, ou seja, nos próximos 6 meses, nos próximos 12 meses e no longo prazo. Neste caso, o mais importante é olhar o filme e não a fotografia. Ou seja, verificar a evolução dos indicadores de liquidez e avaliar e controlar o quanto estamos melhorando ou piorando com o passar do tempo”, explica Mauro.

Para empresas que já possuem dívidas, pode ser uma oportunidade de trocar dívidas mais caras por outras mais baratas. As modalidades citadas nessa matéria são bem mais baratas do que as linhas de financiamento que o mercado vinha praticando.

  1. Proteção contra riscos

O último ponto elencado por Mauro Medeiros é a proteção de riscos. O empresário, e em especial o brasileiro, é tomador de risco serial. Sem risco, não há retorno. Mas no Brasil, temos a impressão de aparecer um cisne negro por ano. É impeachment, presidente da república sendo gravado em conversas estranhas, greve de caminhoneiros, barragens de minério dizimando cidades inteiras e agora, o novo coronavirus.

Em épocas de crise é natural que busquemos correr menos risco, e parece adequado seguir essa estratégia. É importante neste momento rever as políticas de gestão da inadimplência, por exemplo.

Mesmo que um cliente esteja trabalhando com sua empresa há anos sem problemas de inadimplência, até que ponto vale você assumir o risco do negócio dele? Ao deixar a inadimplência de um cliente aumentar demais, sua empresa está emprestando dinheiro para o negócio dele. Será que é a hora de fazer isso?

Mesmo que haja um custo financeiro nisso, pode ser interessante trocar modalidades de financiamento próprio por modalidades oferecidas pelo banco. Com isso, o banco fica com o risco do seu cliente e não você. Certamente eles sabem avaliar melhor os riscos das empresas do que nós.

Essa ideia de se expor menos a risco deve ser aplicada em diversas situações na sua empresa:

  • Será que é a melhor hora de continuar a investir naquele produto novo que você pretendia lançar em breve?
  • Não é melhor pensar em um escritório mais simples do que manter aquele endereço badalado?
  • Aquele projeto interno grande não pode ser feito mais para frente?
  • Vale insistir naquela equipe, departamento ou filial que não vem entregando os resultados esperados já algum tempo?

Mauro destaca que todas essas medidas requerem também organização e preparo por parte das empresas. Ter sua estrutura financeira organizada, com métricas e indicadores claros é fundamental para poder tomar essas medidas e superar esse momento. “Não adianta querer investir nos produtos que mais dão lucro se não tem essas informações claras de qual produto custa menos, vende mais, qual é a margem exata de cada coisa. Não dá para pensar em controle de dívida se eu não tenho as informações de pagamentos que tenho que realizar, provisão dessas despesas, planejamento de pagamento etc.”, reforça.

Por fim, ele acredita que essa crise irá passar, e que a boa notícia é que quem sobreviver a esse período, sairá mais forte e com grande possibilidade de crescimento quando o país retomar o desenvolvimento. “Dizem que o que os problemas nos fortalecem, e acho que isso é aplicável nessa situação. As empresas que tomarem as medidas corretas e resistirem a essa crise, com certeza sairão mais fortes e em uma posição favorável, podendo crescer junto com o país.”