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As normas para transferências de empregados para o exterior

Em artigo, Sabrina Bowen fala sobre as mudanças nas regras

 

Recentes reportagens publicadas na imprensa brasileira mostram o incremento das transferências internacionais de empregados brasileiros para o exterior como reflexo da globalização da economia, da integração regional e comunitária e dos novos modelos de produção, dentre outros fatores.

O Direito, nas palavras do jurista Miguel Reale é dotado de três dimensões: fato, valor e norma.

Assim, como consequência do incremento da movimentação de mão-de-obra registrada ao redor do mundo (fato) e da relevância social relacionada à regulamentação do trabalho dos expatriados (valor), o ordenamento jurídico precisava ser adequado (norma), eis que no Brasil, desde a assinatura da Convenção Interamericana de Havana, em 1928, vigora a regra da territorialidade.

Como resultado deste estado de coisas, desde 6 de julho de 2009, data da publicação da Lei nº. 11.962, as regras previstas na Lei nº. 7.064/1982 passam a valer para todos os empregados contratados no Brasil e transferidos para o exterior por período superior a 90 dias.

A edição da Lei nº. 11.962/09, ao generalizar a aplicação da Lei nº. 7.064/82, inova o tratamento jurídico dado aos expatriados.

Com efeito, a Lei 7.064/82 foi originalmente editada para regular o trabalho de empregados das empresas de engenharia e construção civil transferidos para o Oriente Médio para a execução de obras de construção civil.

O objetivo precípuo desta lei era o de evitar a redução de direitos trabalhistas dos empregados durante o período de trabalho no Iraque, em razão da aplicação cartesiana do critério da territorialidade (Súmula nº. 207, do TST), segundo o qual “a relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação.”

O interessante é que ao invés de adotar a solução simplista de aplicação da legislação trabalhista brasileira aos contratos de trabalho dos expatriados, a Lei 7.064/82 foi mais além, ao propor, no seu artigo 3º, II, que a solução do conflito de leis trabalhistas no espaço seria solucionado através da adoção da chamada “teoria do conglobamento por institutos”, usada quando há diversos instrumentos jurídicos igualmente válidos, vigentes e eficazes aplicáveis concomitantemente a um mesmo contrato de trabalho: “II – a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria.”

A operacionalização da norma em comento acontece de acordo com os seguintes passos: 1) analisa-se o regramento jurídico do Brasil e do país no qual serão prestados serviços com relação a cada instituto: por exemplo: duração do trabalho (CLT, capítulo II) e férias (CLT, capítulo IV); 2) compara-se o regramento jurídico brasileiro e o estrangeiro, com relação a cada instituto; 3) opta-se por aquele que for mais benéfico ao empregado, adotando-o em sua integralidade, já que não é permitida a escolha de “partes” de cada um dos regramentos, por exemplo: duração da jornada no Brasil e adicional de horas extras da lei estrangeira, com relação ao instituto da duração da jornada.

Outros pontos de atenção são: a aplicação das regras da Lei 7.064/82 aos contratos de trabalho dos transferidos é obrigatória nas transferências de mais de 90 dias; empregado e empregador devem celebrar um aditivo ao contrato de trabalho contendo cláusulas sobre o adicional de transferência a ser pago ao empregado enquanto durar a remoção, valor do salário base, legislação trabalhista aplicável com relação a cada instituto (jornada, férias etc); possibilidade de cisão do pagamento do salário entre Brasil e exterior, dentre outras; o período de transferência é computado como tempo de serviço para todos os efeitos, sendo mantidos os recolhimentos ao FGTS e ao INSS.

As novas regras são relevantes e implicam em mudanças no cotidiano das transferências no mundo globalizado. Por isso, as empresas devem reavaliar as práticas trabalhistas adotadas com relação aos empregados transferidos ao exterior por mais de 90 dias, para evitar riscos de demandas trabalhistas no futuro.

* Sabrina Bowen Farhat Fernandes é advogada especializada em direito do trabalho do escritório Rayes, Fagundes e Oliveira Ramos Advogados